Agostinho Neto: a saga do libertador de Angola



Wikimedia Commons/Rob Mieremet
Agostinho Neto em 1975

Em 10 de setembro de 1979, falecia o líder político angolano Agostinho Neto. Médico, poeta e militante socialista, Agostinho foi o maior expoente da resistência anticolonial angolana. À frente do Movimento Popular de Libertação de Angola, ele liderou as forças revolucionárias na guerra contra Portugal. Conquistou a independência de seu país em 1975 e assumiu o posto de primeiro presidente de Angola. Consagrou-se ainda como um dos maiores poetas angolanos, com uma obra voltada à denúncia da opressão colonial.

Agostinho Neto nasceu em 17 de setembro de 1922 na aldeia de Cachicane, na região de Ícolo e Bengo, localizada ao norte de Angola. Era filho do pastor metodista Agostinho Pedro Neto e da professora primária Maria da Silva Neto. Os vínculos da família com a missão metodista norte-americana garantiram um padrão de vida diferenciado em relação à maioria da população angolana. Agostinho, entretanto, foi profundamente influenciado pela percepção da opressão colonial a que seus compatriotas estavam submetidos.

Embora a escravidão já tivesse sido formalmente abolida, regimes de trabalho compulsório ou análogos à escravidão ainda vigoravam em Angola. As condições de vida da maior parte da população eram deploráveis e os abusos cometidos pelas autoridades coloniais eram constantes. A situação se agravou ainda mais durante o regime de António Salazar, que passou a extorquir a população angolana com a cobrança de tributos abusivos, a fim de subsidiar os gastos do governo português.

Agostinho cursou o ensino secundário no Liceu Salvador Correia em Luanda. Concluindo os estudos em 1944, passou a trabalhar nos serviços de saúde das províncias de Malanje e Bié — experiência que o levou a aprofundar ainda mais sua visão crítica sobre o sistema colonial. Desde o fim dos anos 30, Agostinho já escrevia artigos para os periódicos escolares e regionais, denunciando as mazelas da colonização, criticando a imposição do pensamento eurocêntrico e o apagamento da cultura angolana. Sua militância política seria intensificada a partir de 1947, quando o jovem partiu para Portugal, a fim de estudar medicina.

Matriculado na Universidade de Coimbra, Agostinho se aproximou das organizações estudantis e dos militantes do movimento anticolonial reunidos na Casa dos Estudantes do Império (CEI) — alojamento estudantil mantido pelo governo português, destinado a hospedar os estudantes oriundos das colônias. Concebida para ser um espaço de fortalecimento das estruturas coloniais, a CEI acabou por se tornar um dos centros irradiadores do pensamento anticolonial, abrigando vários dos futuros líderes dos movimentos independentistas ativos nas colônias portuguesas.

Na CEI, Agostinho ajudou a organizar o grupo literário “Vamos Descobrir Angola”, que preconizava a valorização da cultura angolana e a criação de uma escola literária autóctone. O grupo foi um dos precursores do Movimento dos Novos Intelectuais de Angola, organização nacionalista que reivindicava a independência angolana. Agraciado com uma bolsa de estudos concedida pelos metodistas, Agostinho se transferiu para o curso de medicina da Universidade de Lisboa. Na capital portuguesa, ele prosseguiu com suas atividades políticas e se filiou à seção juvenil do Movimento de Unidade Democrática (MUD) — organização de oposição ao regime salazarista, que possuía vínculos com o Partido Comunista Português (PCP).

As atividades políticas de Agostinho passaram a incomodar o regime. Em 1950, acusado de subversão, ele seria preso pela Polícia Internacional e de Defesa do Estado — a PIDE, polícia política de Salazar. Após sua libertação, uniu-se a Amílcar Cabral, Mário Pinto de Andrade, Marcelino dos Santos e José Tenreiro, entre outros expoentes da luta anticolonial africana, para fundar o Centro de Estudos Africanos. Paralelamente, foi eleito como representante das Juventude das Colônias Portuguesas (JCP) junto ao Movimento de Unidade Democrática. Sua militância na JCP lhe renderia uma nova prisão pela PIDE em 1952. Ele ficou preso por três meses na cadeia de Aljube.

Em 1955, Agostinho foi preso pela terceira vez, acusado de “atentar contra a segurança do Estado”. Foi condenado a 18 meses de reclusão e à suspensão de seus direitos políticos por cinco anos. Cumpriu, entretanto, uma pena maior do que a sentenciada, permanecendo encarcerado por quase dois anos e meio. A prisão abusiva gerou grande mobilização internacional de intelectuais em seu apoio, com a participação de Simone de Beauvoir, Jean-Paul Sartre, Nicolás Guillén, Tristan Tzara e Diego Rivera, entre outros.

Libertado em 1957, Agostinho voltou-se aos estudos e concluiu sua graduação em medicina no ano seguinte. Cursou residência médica nos hospitais de Lisboa e especializou-se em pediatria e medicina tropical. Ainda em 1958, casou-se com a jornalista portuguesa Maria Eugénia Neto. O jovem médico retornou a Angola em 1959, fixando residência em Luanda, onde se ocupou tanto do trabalho em consultórios privados quanto do atendimento gratuito direcionado à população desassistida. Retomou a luta anticolonial em sua terra natal, ingressando no Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA).

Fundado em 1956, quando Agostinho ainda estava na cadeia, o MPLA surgiu da fusão entre o Partido Comunista Angolano (PCA) e o Partido da Luta Unida dos Africanos de Angola (PLUAA). O movimento logo se consolidou como a maior organização da resistência angolana.

No início de 1960, Agostinho foi nomeado presidente honorário do MPLA. Poucos meses depois, o líder angolano seria novamente preso pela PIDE. Indignados com a prisão, seus conterrâneos organizaram uma marcha de protesto em Cachicane. A manifestação foi brutalmente reprimida: soldados portugueses abriram fogo contra os participantes, assassinando 30 pessoas e ferindo centenas, no que ficou conhecido como Massacre de Ícolo e Bengo.

Diante da crescente reação popular em Angola, os portugueses enviaram Agostinho para Cabo Verde, detendo-o na prisão da Ponta do Sol. Em seguida, o líder angolano foi transferido para o Campo de Concentração do Tarrafal — infame cárcere reservado aos inimigos do regime salazarista, onde faleceram dezenas de militantes do PCP. Com sua pena comutada em serviços comunitários, Agostinho passou a trabalhar nos postos médicos de Cabo Verde. Em 1962, temendo que o líder angolano aproveitasse a liberdade relativa para insuflar uma rebelião anticolonial no arquipélago, os portugueses o transferiram para Lisboa.

Na capital portuguesa, Agostinho foi novamente encarcerado na prisão de Aljube, mas a crescente pressão da comunidade internacional forçou o governo português a colocá-lo em prisão domiciliar. Sua pena foi novamente comutada em serviços médicos prestados ao Hospital de Santa Marta. Agostinho aproveitou a oportunidade para fugir, em uma operação organizada com apoio do Partido Comunista Português.

A princípio, refugiou-se em Rabat, no Marrocos. Em seguida, seguiu viagem até Kinshasa, no Zaire, onde se localizava a sede do MPLA no exílio. Por fim, instalou-se em Brazzaville, no Congo, para onde a sede do movimento foi transferida em 1963.

De volta à África, Agostinho assumiu a direção plena do MPLA e se esforçou em buscar aliados internacionais. Ele tentou persuadir o presidente John Kennedy a apoiar o movimento, mas o governo norte-americano, priorizando seus interesses petrolíferos em Angola, recusou-se a colaborar. A Casa Branca achava mais conveniente se aproximar da Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), agremiação perfilada à direita anticomunista e liderada por Holden Roberto.

Agostinho buscou então apoio do bloco socialista, procurando os governos de Cuba e União Soviética, que se mostraram mais receptivos à causa independentista. Em 1965, Agostinho se encontrou com Che Guevara e tornou-se amigo de Fidel Castro, passando a receber apoio logístico, financeiro e militar de Cuba. Ele também tentou unificar os movimentos internos, buscando superar as rivalidades entre grupos étnicos e constituir uma frente das organizações independentistas contra o exército colonial.

A iniciativa não vingou e Agostinho teve de lidar com resistência hostil da FNLA e da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), que concentravam mais esforços combatendo o MPLA do que o próprio regime português.

Após assumir a coordenação do núcleo militar do MPLA, Agostinho intensificou a estratégia de guerrilha, abrindo as frentes de Cabinda e do Leste de Angola. Também conseguiu conduzir operações de enfrentamento aberto bem sucedidas, neutralizando várias ofensivas do exército colonial. Malgrado a superioridade bélica e numérica de suas tropas, o comando militar português teve muita dificuldade em responder à estratégia de guerra não convencional empregada pelos guerrilheiros. Assim, ao longo dos anos 60, o MPLA conseguiu avanços importantes, dominando grande parte do território angolano.

A partir de 1969, entretanto, as forças portuguesas intensificaram os ataques, causando pesadas baixas às guerrilhas angolanas. Em paralelo, os movimentos rivais aumentaram a oposição ao MPLA e a organização teve de lidar com uma grave crise interna, resultante da formação de dissidências e facções e de disputas pelo poder. Tendo sua autoridade questionada, Agostinho Neto buscou reforçar a presença de seu círculo de confiança na cúpula do movimento e agiu para isolar os líderes dissidentes, expulsando nomes importantes como Daniel Chipenda e Mário de Andrade.

A eclosão da Revolução dos Cravos em Portugal em serviria como catalisador para a luta emancipacionista dos angolanos. Em 1974, setores progressistas das Forças Armadas depuseram o presidente Marcello Caetano, sucessor de Salazar, encerrando a ditadura do Estado Novo. A ascensão de um governo favorável à descolonização permitiu que a Guerra de Independência chegasse ao fim. Em outubro de 1974, o MPLA e o novo governo português assinaram um cessar-fogo. Três meses depois, representantes de Portugal e dos movimentos angolanos celebraram o Acordo do Alvor, estabelecendo as regras para a transferência de autonomia.

Em 11 de novembro de 1975, Agostinho Neto proclamou a independência de Angola. Ele também foi nomeado como o primeiro presidente do país. Agostinho implementou um governo de orientação socialista, nos moldes dos sistemas do Leste Europeu, e deu início às reformas. O governo revolucionário expropriou as terras e propriedades dos antigos colonos portugueses e nacionalizou bancos e indústrias. Agostinho priorizou os investimentos em educação e a saúde, construindo centenas de escolas, criando programas de alfabetização e expandindo o acesso aos serviços médicos nas áreas rurais.

A persistência dos conflitos armados e as disputas internas e externas, entretanto, limitaram a efetividade e a continuidade das reformas. Os movimentos rivais não aceitaram a legitimidade do governo liderado pelo MPLA, dando início à Guerra Civil Angolana — convertida, na prática, em um dos conflitos tributários da polarização ideológica da Guerra Fria, opondo o MPLA (apoiado por Cuba e União Soviética) à FNLA e à UNITA, (apoiadas pelos Estados Unidos e pelo regime do apartheid na África do Sul). Dois anos após o início de seu governo,

Agostinho enfrentaria uma tentativa de golpe perpetrada pelo seu Ministro da Administração Interna, Nito Alves, líder do Movimento Fracionista. A tentativa foi debelada no mesmo dia, mas ensejou um expurgo que se estendeu por dois anos e alimentou a instabilidade política, prejudicando ainda mais o governo.

Agostinho Neto faleceu aos 56 anos, em 10 de setembro de 1979, vitimado por um câncer. Ele estava internado em um hospital de Moscou recebendo tratamento oncológico. Sua morte comoveu profundamente o povo angolano e uma multidão acompanhou seu cortejo fúnebre. Foi sepultado em um imponente mausoléu-memorial erguido na Praia do Bispo, em Luanda. Sua data de nascimento, decretada como feriado público, é celebrada pelos angolanos como “Dia do Herói Nacional”.

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